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“DIA DAS LETRAS GALEGAS” DE ROSALÍA DE CASTRO E A MORTE

O dia 17 de maio foi instituído em 1963 como o “Dia das Letras Galegas”, quando se comemoraram os 100 anos de edição da primeira obra escrita em língua galega (língua ibero-românica ocidental de caráter oficial da Comunidade Autônoma da Galiza), “Cantares Gallegos”, da escritora espanhola Rosalía de Castro (Maria Rosalía Rita, 1837 - 1885). Nascida em Santiago de Compostela, capital da Comunidade Autónoma da Galiza, noroeste de Espanha, Rosalía de Castro é considerada a fundadora da literatura galega moderna. Escreveu tanto em prosa quanto em verso, empregando o galego e o castelhano. Sua obra esteve profundamente marcada pelas circunstâncias que rodearam sua vida, como sua origem, os problemas econômicos, a morte dos seus filhos e sua frágil saúde. Em 1863, em Vigo, cidade da costa noroeste da Espanha, o seu primeiro grande livro, "Cantares Gallegos", foi publicado por seu marido, o historiador galego Manuel Murguía (1833 - 1923), que geriu, sem a licença da esposa, a impressão de um “poemário”, que fixa o começo de uma nova era para a poesia galega e que foi a base do ressurgimento da literatura galega, numa época em que essa língua estava extinta como língua escrita. Em 1880, Rosalía de Castro publicou “Folhas Novas”, praticamente uma continuação de “Cantares Gallegos”. Em castelhano, publicou “La flor” (1857), “A mi madre” (1863), “En las orillas del Sar” (1884) e o romance “El caballero de las botas azules” (1867), obras marcadas pelo Romantismo literário. Rosalía de Castro passou os últimos anos da sua vida em Padrón, na província espanhola de Galiza, na "Casa da Matanza", que depois se tornaria casa-museu. A morte acidental do seu filho mais novo aos dois anos de idade e sua doença amargaram os seus derradeiros anos de vida. Morreu de câncer, em 1885, aos 48 anos de idade. Antes de morrer, pediu aos filhos que queimassem os trabalhos literários que, reunidos e ordenados por ela mesma, não foram publicados. Foi enterrada no campo-santo da Adina, na Galiza. Anos mais tarde, em 1891, seus restos foram transladados para o Panteão de Galegos Ilustres, no convento de São Domingos de Bonaval, em Santiago de Compostela. Entre os poetas - muitos pensam assim - há um pacto pós-morte: ““O que não for publicado ou ainda não concluído em vida, deve ser – literalmente – esquecido e queimado!”.  

João Scortecci


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OS POETAS LINDOLF BELL E PÉRICLES PRADE

Conheci o poeta Bell (Lindolf Bell, 1938 - 1998) nos anos 1980. Dizia sempre: “menor que o meu sonho não posso ser”. Quem nos apresentou foi o também poeta catarinense Péricles Prade, na época Presidente da UBE - União Brasileira de Escritores. Disse-me: “Scortecci, hoje o Bell vai relançar no Spazio Pirandello o livro “As Annamárias”. Vamos?” Fomos! Eu, Péricles, Caio Porfírio Carneiro, Lauro Vargas e outros diretores da entidade. O Spazio Pirandello, Rua Augusta, 311, era no início dos anos 1980, ponto de encontro de jornalistas, escritores e intelectuais. Foi lá que conheci Loyola, Moacir Amâncio, Mario Prata, Caio Fernando Abreu e outros. Naquela noite - inesquecível e até hoje de Catequese Poética - Bell declamou o Poema das Crianças Traídas: “Eu vim da geração das crianças traídas. Eu vim de um montão de coisas destroçadas. Eu tentei unir células e nervos, mas o rebanho morreu. Eu fui à tarefa num tempo de drama. Eu cerzi o tambor da ternura, quebrado... Eu sou a geração das crianças traídas. Eu tenho várias psicoses que não me invalidam...” Trocávamos, vez por outra, cartas datilografadas. Eu as guardo até hoje. A última carta que recebi é datada de 11 de maio de 1991 e nela Lindolf Bell escreveu: “De muitas maneiras, (e não tantas neste país), as pessoas resistem no ofício.” Verdade. Não podemos ser menores que os nossos sonhos. Lindolf Bell morreu jovem, em 1998, aos 60 anos de idade. Hoje, 16 de maio de 2024, faleceu o poeta e jurista Péricles Prade, elo imortal do poema das crianças traídas.   

João Scortecci
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OLGA SAVARY, REVISTA LB DE LITERATURA E O POETA BILA

A escritora, tradutora e poeta Olga Savary nasceu em Belém, do Pará, em 21 de maio de 1933, filha de engenheiro russo e mãe paraense. Para Olga eu era o “Bila”, bolinha de gude, no Nordeste brasileiro. Dizia, sempre: Você é o bila! Olga Savary morou em Fortaleza, minha terra natal, durante muitos anos. Lá - brincando com os meninos de rua - conheceu o jogo. Quando leu o meu livro de poesias “Na Linha do Cerol - reminiscência poéticas”, lembranças da minha infância no Ceará dos anos 1960, adotou o apelido, de vez. Conhecemo-nos no estúdio do editor de livros Massao Onho (1936 – 2010), através da atriz e roteirista pernambucana Aurora Duarte (Diva Mattos Perez, 1937 – 2020), que ocupava uma sala, nos fundos da editora, na Rua Conselheiro Ramalho, na Bela Vista, em São Paulo. Olga morava no Rio de Janeiro. Quando estava em São Paulo, hospedava-se na casa do escritor, roteirista e empresário Fábio Porchat, autor da Scortecci e pai do ator, produtor e humorista Fábio Porchat. Olga, autora premiada, publicou 15 livros de poesia, entre eles, Sumidouro (1977); Magma (1982); Hai-Kais (1986); Berço esplendido (1987); Retratos (1989) e Repertório Selvagem (1998). Traduziu mais de 40 obras, de mestres hispano-americanos, entre eles, Borges, Cortázar, Carlos Fuentes, Lorca, Neruda, Octavio Paz, Jorge Semprún e Mário Vargas Llosa, e os mestres japoneses do haicai - Bashô, Buson e Issa. Outro dia, no início do ano de 2024, sua filha Flávia Savary, com o cartunista Jaguar, enviou-me de presente pelo correio a coleção completa da Revista LB – Revista da Literatura Brasileira, direção do poeta e advogado Aluysio Mendonça Sampaio (1926 – 2008), autor da Scortecci com 4 livros publicados, revista que durante muitos anos foi impressa na Gráfica Scortecci. Tesouro valioso, hoje parte do memorial da editora. Olga Savary faleceu na cidade de Teresópolis/RJ, no dia 15 de maio de 2020, aos 86 anos de idade.

João Scortecci


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O FENEMÊ, JOHN WAYNE E O CAVALO CARAMELO

Quando criança – isso no Ceará dos anos 1960 – ganhei de presente um caminhão com caçamba. Naquela época andava explorando os quintais da Vila Santa Terezinha, procurando não sei bem o quê. Um tesouro, talvez. O caminhão com caçamba foi o único presente “diferente” que ganhei quando criança. “Filho, o que você vai querer de presente de Natal?” A resposta era a mesma de sempre: “Dois revólveres com cartucheiras do John Wayne e muita espoleta estrela”. O caminhão com caçamba era uma réplica perfeita de um "Fenemê", da Fábrica Nacional de Motores, fundada em 1942 pelo Presidente Getúlio Vargas e pelo Cel. Antônio Guedes Muniz, pioneiro da indústria aeronáutica brasileira. É dessa época, também, a fundação de várias estatais brasileiras, com dinheiro americano, durante a Segunda Guerra Mundial: Companhia Siderúrgica Nacional (1941), Companhia Vale do Rio Doce (1942), Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945), entre outras. Com o fim dos dólares, a Fábrica Nacional de Motores, orgulho nacional, encerrou as atividades em 1977. Gosto da história da carroça e do jumento. Oportuna e de autor desconhecido. Aos 30 anos de idade, carroça e jumento são únicos: Indivisíveis. Nada fica para trás: tudo vai para a caçamba. Aos 40 anos, tornamo-nos seletivos e prudentes. Algumas coisas são simplesmente deixadas de lado e nem tudo vai, automaticamente, parar na caçamba da carroça. Aos 50 anos, tornamo-nos chatos, criteriosos, detalhistas e vaidosos. Alguns: insuportáveis! Quase nada mais vai para a caçamba, já lotada até a tampa. E o jumento, pobre de nós, já não é o mesmo: envelheceu, de vez. É a década das escolhas ruins, dos milagres e das fraquezas humanas. Aos 60 anos, inesperadamente, chega-se, afinal, à década do desapego. E da cura, para muitos. Hora do descarte, da reciclagem, da arrumação de papéis, do arquivo de fotos, de retirar da caçamba entulhos, engodos e fantasmas. Hora, também, de aliviar o jumento do peso cruel e poupá-lo do pior. Aos 70 anos – estou quase lá – o “Fenemê”, vez por outra, engasga e solta pelas narinas enxofre e chiados. Confesso: não esperava viver tanto. Sorte? Talvez. A história da carroça e do jumento termina, para muitos, por volta dos 80 anos, década da morte, já que poucos chegam aos 90 anos ou mais. É quando surge o dilema da vida: abandonar a carroça ou salvar o jumento, mesmo que por pouco tempo. Acompanhei, pela TV, o resgate do Cavalo Caramelo, ilhado no telhado de uma casa submersa, na tragédia que assola o estado do Rio Grande do Sul. Caramelo, carinhosamente assim apelidado, permaneceu firme, ali, imóvel, de pé, faminto, aguardando ser resgatado com vida. Foi corajoso, paciente e confiante. Caramelo, guerreiro e brasileiro, sempre.

João Scortecci

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NO DIA DE ONTEM

Algo no ar no dia de ontem. No dia de hoje: tudo igual, estranheza que se repete. Déjà vu? No escuro da porta do quarto observo o vazio de janela entreaberta. Calor dos infernos. Lamparinas no balanço do fio de cordas e brisa de morte. Observo: cabide no chão, camisa suja de sopa de palmito e dor inglória, nos ossos. Rosto na cunha do avesso do espelho. Reflexos e seus pêndulos! Sombras da noite, talvez. Almas que se curvam no tempo. É o que arde e coça. Sapato preto, sem meias. Hora do mijo. Urinar-me! Suor azedo e incolor, cheiro de pele e dama da noite. Abajur francês, alguns livros, mesa de mogno e talheres de aço. Sujos. O que se esconde na rua de fora? Barulho incolor - talvez - e nada mais. Desconfio: lua de Vênus ou cadela no cio? Miudezas que passam. Eu espero o sino já visto. O sol sabe de mim. 

João Scortecci


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TODO POETA É INVARIAVELMENTE IMORTAL

Das inferências da palavra. Na poética: conclusões e ilações do verbo! A lógica aristotélica (Aristóteles, 384 a.C.- 322 a.C.) tem como objetivo estudar a relação do pensamento com a verdade. Em “Organum” - nome dado ao conjunto das obras sobre lógica de Aristóteles - que significa “instrumento” as ferramentas para analisar se os argumentos utilizados nas “premissas” levam a uma conclusão coerente. Há quem duvide! Define, ainda - nas inferências - que a razão implícita do verbo é proposição das emoções do coração. Na poética - aquilo que se propõe - é silogismo: forma de raciocínio baseada na dedução. Os juízos (des)encadeados da dor, são conexões de proposições: indutivas e dedutivas. Isso – talvez – explique, um pouco, sobre os poetas. “Todo imortal é poeta. Logo todo poeta é imortal.” Algo assim.

João Scortecci


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DAS INOCÊNCIAS DE MENINO

Uva era raridade na infância, isso no Ceará dos anos 1960. Um dia – inevitavelmente – aconteceu ter que provar do fruto da videira. Confesso: provei e não gostei. Hoje, continuo não gostando. Uva e morango são frutas que não fazem o meu gosto. Acontece. Papai Luiz - eufórico – chegou e disse: Ganhamos um cacho de uva moscatel! Presente de um amigo de São Paulo. Cadê? Subimos na Rural Willys e fomos até o Pinto Martins, aeroporto de Fortaleza. A preciosidade chegou de jato Caravelle, pela Cruzeiro do Sul. Menino, cuidado, tem caroço! Foi o que disseram. Não engole que dá apendicite. Nó nas tripas! Prova e depois – se não gostar – cospe longe. Foi o que fiz. Disse: tem gosto de pitomba! Uva é iguaria de reis e rainhas e custa o olho da cara. Verdade? Registrei. Guardei, então, os caroços da sorte, num guardanapo. Coloquei as sementes para secar, no batente da janela, e depois, plantei, caroço por caroço, no terreiro do latifúndio da Vila de Santa Teresinha, na sombra do pé de graviola. Dia sim, dia não aguava e cutucava a terra com um pedaço de pau. Nada de brotar pé de uva. No silêncio da espera, arranquei tiriricas e acossei saúvas, formigas da bunda grande. Papai sabia que eu plantei uva no quintal? Uva? Ele me olhou e sorriu. Quando nascer você me avisa! Disse. A ideia de menino empreendedor era cultivar uvas e ganhar - muito - dinheiro. Ficar rico! Papai - brincalhão que só ele – todos os dias, dava corda. Mexia com a inocência do seu filho caçula. Foi assim que me ensinou – muitos segredos - sobre a vida. Dizia sempre: a vida é injusta e desleal. Risos. Filho, já nasceu o pé de uva? Não. Demora. Mãe, na fazenda de Dois Córregos, o vovô José Scortecci cultivava uva? Perguntei. Não. Cafezal e Granja. Filho! Pé de uva não nasce do caroço. Você precisa de mudas ou de um tipo especial de semente. Explicou. Nasce sim! Protestei. Nasce não! Insistiu. Papai ficou até de comprar - toda - a produção de uva do ano. Argumentei. Teu pai está “zoando” você. Está não! Vou ser agricultor e ficar rico, comercializando uva no Ceará. Foi quando Papai "percebeu" que a brincadeira havia ido longe demais. Filho pé de uva não nasce do caroço. Confessou. Quer um conselho de pai? Não. Respondi. Mesmo assim Papai sentenciou: Você vai morrer de fome! Meu sonho de agricultor e de ficar rico, durou pouco. Tinha, também, planos de cultivar cebolas. Havia lido no jornal que no Sul do país a safra, naquele ano, estava comprometida devido o excesso de chuvas. Na época, no Ceará, vivíamos um período de secas. Nada mais justo que explorar a oportunidade, pensava. Desisti de vez quando vi na enciclopédia Barsa a foto de um pé de cebola. Foi frustrante. Na minha inocência de menino empreendedor, jurava que as cebolas no pé davam em cachos, tranças, em réstias, iguais as que habitavam o prego da dispensa, que ficavam penduradas atrás da porta do tempo. Papai tinha razão: eu ia mesmo morrer de fome. 

João Scortecci


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O PRÍNCIPE MAQUIAVEL, PAPAI NOEL E RALF DAHRENDORF: ERROS SE CONSERTAM!

Li o “O Príncipe” do poeta e filósofo fiorentino Nicolau Maquiavel (1469 - 1527) nos anos 1972 e reli - no início dos anos 1982 - quando por alguma razão estudava o assunto “indivíduos na sociedade: papel social” e o conjunto de normas, direitos, deveres e explicativas, que condicionam o comportamento dos indivíduos junto a um grupo ou dentro de uma instituição na obra do sociólogo alemão Ralf Gustav Dahrendorf (1929 - 2009). Aqui fica o registro: Dahrendorf é o “cara”, aquele que me salva quando Maquiavel me tira o sono. Os políticos – todos, sem exceção - adoram seguir sua cartilha de malvadezas e estratagemas. A lista de “sentenças” de Nicolau Maquiavel - Papai Noel do saco roxo - é extensa e digna de pesadelos. Aqui cabe outro registro: “pesadelo é para quem está devendo!” Maquiavel, anda profícuo e mais atual do que nunca. Algumas máximas do príncipe florentino: “Faça de uma vez só todo o mal, mas o bem faça aos poucos.” “O que depende de muitos costuma não ter sucesso.” “Nunca faltarão ao príncipe razões legítimas para burlar a lei.” “Um governante eficaz não deve ter piedade.” “É mais seguro ser temido do que amado.” E a mais cruel de todas: “O príncipe político que desejar ter sucesso em seu empreendimento deve partir da regra de que as pessoas são más e que na primeira oportunidade elas demonstrarão essa maldade, geralmente traindo o seu superior.” É quando tudo está “quase perdido” que Ralf Gustav Dahrendorf – o salvador - me acolhe por dentro e fala com o que de melhor plantou no meu coração selvagem: "Nada mais antiliberal que a utopia, que não deixa lugar para o erro e nem para a correção". O que faço? Continuo acreditando nos indivíduos em sociedade - na democracia - e no conjunto de normas, direitos e deveres de um povo justo e fraterno. Erros se consertam! Defeitos se corrigem! O perdão salva! Papel Noel não existe, mas faz falta, vez por outra.

João Scortecci


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LEI CORTEZ NA BERLINDA

Eu sou um inocente, apinhado de pecados! Tenho defeitos que nem eu mesmo suporto. Tento corrigi-los, mesmo que em vão. Faz parte. Aqui com os – quase – 70 anos: e pensar que ninguém neste mundo seria contra o livro e os benefícios da leitura. Repito: sou um inocente.

Já não é de hoje que nos assustam as palavras “lei”, “norma”, “regra”, “regulação” e muitas outras que orbitam nas nossas vidas. É bem conhecida a frase "A lei, ora, a lei", atribuída ao Presidente da República Getúlio Vargas (1882 – 1954), durante o seu segundo mandato. Existem outras pérolas, também incorporadas à alma do povo: “O Brasil já tem leis demais”; “Essa lei não vai pegar”; “Lei Caracu”; “Lei para inglês ver” etc. Hoje, grande parte das mais de 37 mil leis existentes no Brasil, aguardam regulamentação, total ou parcial, dificultando e prejudicando finalidades e propósitos. Esse é um dos muitos motivos da máxima: “Não somos um país sério”, dita no início dos anos 1960 pelo diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho (1901 – 1990) ao jornalista cearense Luís Edgar de Andrade (1931 – 2020), à época correspondente do “Jornal do Brasil”, em Paris, no contexto do incidente diplomático conhecido como “Guerra da Lagosta”. 

Deixemos de lado a lagosta, as conversas “para inglês ver” e a máxima de Getúlio Vargas: "A lei, ora, a lei". O assunto desta nota é a “Lei do preço fixo” ou “Lei do preço comum”, rebatizada de “Lei Cortez”, em homenagem ao editor e livreiro José Xavier Cortez, que faleceu em 2021 e é responsável por um importante legado na história do livro no Brasil. Essa lei foi proposta no Projeto de Lei 49/2015, pela então senadora Fátima Bezerra, hoje governadora do estado do Rio Grande do Norte. A inspiração veio da “Lei Lang”, em vigor na França há mais de 40 anos. O projeto – desengavetado em maio de 2023 – visa regulamentar o comércio varejista de livros e proteger as livrarias – principalmente as pequenas – de concorrência predatória. A “Lei Cortez” conta com o apoio institucional das principais entidades do livro no Brasil: ANL – Associação Nacional de Livrarias; CBL – Câmara Brasileira do Livro; SNEL – Sindicato Nacional dos Editores de Livros; ABRELIVROS – Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais; ABDL – Associação Brasileira de Difusão do Livro; e ABIGRAF – Associação Brasileira da Indústria Gráfica, entre outras. 

De acordo com o PL 49/2015, o preço de capa – sugerido pela editora – deve ser respeitado pelo período de 1 ano, a contar da publicação ou lançamento do livro, podendo os canais de comercialização praticar o preço de capa, oferecendo, no máximo, desconto de até 10%, sobre o preço sugerido. Os livros didáticos e importados ficam de fora dessa regra. Os favoráveis ao projeto de lei defendem que o instrumento poderá proteger as pequenas e médias livrarias, salvaguardando a diversidade e combatendo a guerra por preços e descontos. Os contrários não são poucos. O principal motivo, generalizando, é o desconhecimento do projeto de lei, julgando tratar-se de um tipo de congelamento ou imposição de preço tabelado e, ainda, apostando no encarecimento do preço de capa do livro, o que não é verdade. As editoras e livrarias – maiores interessadas em que esse projeto de lei seja aprovado – manteriam o preço de capa abaixo do sugerido, não agregando “gordura” no jogo insano dos descontos e da guerra de preços, proporcionando, assim, equilíbrio e preço justo ao mercado e a toda cadeia produtiva do livro. 

Aqui cabe explicar o que disse na introdução desta nota: “Sou um inocente, apinhado de pecados!”. E pensar que o mercado livreiro e a imprensa, em especial, tomariam ciência do assunto e compreenderiam a importância da Lei Cortez para toda a cadeia produtiva do livro. A lei, ora, a lei, para brasileiro ver.

João Scortecci


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DAS COISAS RECENTES DA HORA

Vou até lá e volto logo! De pronto, no automático. Coisas do instante “novo” e muito recente, do agora. Rápido e incomum. Aconteceu e pronto, passou, no único espaço de existência possível. Agora - que tudo se foi - não adianta mais ter pressa! Nada do que é recente acontece do passado. Seria o futuro inexistente? Talvez. Foi assim no primeiro dia, depois e em todos os outros, também. Andei - por nada e a toa - listando as coisas do recente e pude, então, observar que não há razão alguma nas brevidades do tempo. Não há segredos. E nem ansiedade. Não há surpresas e eu levo um susto “dos cabelos”. Dos poucos que ainda restam. Silêncio temporal. Isso existe? Não há o que temer e logo o suor das coisas vão gelar os ossos do corpo. Eu disse que voltaria: vou até lá e volto logo! Foi o que fiz. O fato de ter voltado, agora, pouco importa. Sou do acaso. Da vontade incomum. Andarilho. Dono do grito da boca das palavras miúdas. No aconchego do repente - ouço vozes – a minha? Talvez. E no melhor das coisas recentes: adormeço. Eu e o relógio que adianta - por nada, por teimosia, por morte na parede do finito. O que faço? Troco as pilhas, dou corda na geringonça, aguardo a vontade do vazio ou espero. Já disse: Vou até lá e volto logo! Demoradamente. 

João Scortecci


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MANABU MABE: SAQUÊ, SUSHI E TENUGU

O pintor, desenhista e tapeceiro japonês naturalizado brasileiro, Manabu Mabe (1924 – 1997), teve 53 de suas obras, avaliadas em mais de 1,2 milhão de dólares, perdidas no mar, no dia 30 de janeiro de 1979, quando o Boeing 707, cargueiro da companhia aérea brasileira Varig, desapareceu sobre o oceano cerca de 30 minutos após a decolagem do aeroporto de Narita, em Tóquio, com destino ao Rio de Janeiro. O acidente é conhecido por ser o maior mistério da história da aviação até os dias de hoje. Conheci Manabu Mabe no ano de 1978, um ano antes do acidente aéreo com parte de sua coleção de quadros. Na época, eu trabalhava no Departamento Comercial da FK Equipamentos para Escritório, empresa de Yujiro Furusho, no bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo. Eu tinha 22 anos de idade e sonhava em ser escritor, editor e gráfico. Não sabia quem era Manabu Mabe e o quanto era famoso, respeitadíssimo, principalmente na comunidade japonesa. Yujiro Furusho me procurou no final do expediente e fez o convite inesperado: “Você já comeu sushi?”. “Não”, respondi. Entramos num táxi e fomos até um restaurante japonês, na Liberdade. Eu era o único “estrangeiro” na casa. Um senhor oriental, cinquenta e poucos anos, nos aguardava numa mesa de canto, bebendo saquê, bebida alcoólica fermentada tradicional do Japão. Provei e gostei. O garçom trouxe tenugu – toalha de mão de algodão – pegando fogo. Desconfiado, aguardei a vez. Yujiro e Mabe esfregaram a toalha no rosto, no pescoço e nas mãos. Educadamente esperaram por mim. Exagerado que sou, esfreguei a tenugu no rosto, no pescoço e nos braços. Sensação maravilhosa. Banho completo! Do nada, começaram a chegar pequenos pratos, com três porções cada. Foi a minha primeira vez num restaurante japonês. Gostei da brincadeira. Yujiro e Mabe misturavam na fala português e japonês. O que eu não entendia passava batido. Coisas do saquê. Já tarde da noite, Mabe me perguntou o que eu queria fazer da vida. “Quero escrever e publicar livros”, respondi. Manabu Mabe, então, começou a falar do seu trabalho e não parou mais. Um mestre. Iluminado. Fomos embora tarde da noite. No dia seguinte fui procurar saber quem era Manabu Mabe. Levei um susto. Quase morri do coração! “Patrão, o cara é famoso!” Yujiro, então, me disse: “Eu sabia que você ia gostar dele”. Ficou o sushi. Vez por outra lembro de Manabu Mabe, do porre de saquê e das toalhas de tenugu no rosto, no pescoço e nas lembranças do tempo.

João Scortecci


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PECADO NO PORTÃO DA ADOLESCÊNCIA

Ganhei uma foto sua do tempo de sexo no portão do escuro da adolescência. É a primeira coisa lembrada que você me pediu de memória. Você disse: guarda e vai! E eu, então, parti. Na despedida - veloz e apressada - guardei a foto da nossa história de amor na caixinha dos pecados. Hoje, mexendo na sorte do coração, nos encontramos, novamente. Éramos eternos! E pensar que não tínhamos paciência alguma (e precisava?). Tudo era bom como era. O portão de ferro gemia seco de óleo e você - docemente - respirava o gozo de menina-moça. E nada mais. 

João Scortecci

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KARL KRAUS, O PANFLETÁRIO DO PAPEL

Gosto da palavra “panfleto”, o que ela representa e de sua importância na divulgação em massa de uma ideia ou marca. Um sobrevivente: prático e funcional, em tempos de mídia eletrônica. Quem não gosta de um panfleto de rua? Eu adoro. Digo o mesmo dos cartões de visita: insubstituíveis! Alguns – pobres de espírito – chamam-no de folheto. Um folheto é um panfleto que não deu certo: tempo, papel e tinta perdidos! Os panfletos são revolucionários, criativos, irados de ideias, poesia e paixão. No século XII, circulou na Inglaterra um poema de amor escrito em latim, com o nome de “Pamphilus seu de amoré”, anônimo, que se tornou popular e foi traduzido para inglês como “Phamphlet”. Até os fins do século XIV a palavra “Phamphlet” era usada em inglês para designar qualquer texto pequeno, de tamanho menor do que os enormes livros manuscritos daquela época, antes da invenção da imprensa. O dramaturgo, jornalista, ensaísta, aforista e poeta austríaco Karl Kraus (1874 – 1936), indicado duas vezes ao Nobel de Literatura, é considerado como um dos maiores escritores satíricos em língua alemã do século XX e um panfletário “casca de ferida”. Editor e único redator durante quase 40 anos da revista “A Tocha” (“Die Fackel”), denunciava com grande virulência a corrupção da língua, responsabilizando principalmente a imprensa da época. Karl Kraus, filho de um rico fabricante e comerciante de papel, viveu para seus escritos e organizou sua vida em torno de seu trabalho de editor, escritor e panfletário. Durante a vida, tomou posições liberais, conservadoras, socialistas e clericais. Tornou-se membro da Igreja católica, mas abandonou o catolicismo em 1922, vinte e três anos depois que, da mesma forma, renunciou ao judaísmo. Em 1933, escreveu a sátira “A Terceira Noite de Walpurgis” (“Die Dritte Walpurgisnacht”), sobre a ideologia nazista, que começa com a famosa frase, "Mir fällt zu Hitler nichts ein" ("Nada me ocorre sobre Hitler."). Karl Kraus morreu em Viena, em 12 de junho de 1936, aos 62 anos de idade, depois de ter sido atropelado por um ciclista. Para Karl Kraus, a linguagem era o desenvolvedor mais importante dos males do mundo: “que a mais antiga das palavras seja estranha de perto, recém-nascida, e cause dúvida se está viva ou não. Então ela vive!”.

João Scortecci


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ADRIANO NOGUEIRA E OS REGISTROS LITERÁRIOS

O tempo é veloz! Rosani Abou Adal ligou para mim, convidando: “Scortecci, você não quer escrever para o jornal uma nota sobre os 20 anos da morte do Adriano Nogueira?” Confesso que, antes de dizer “sim”, assustei-me com a velocidade do tempo: 20 anos! Inacreditável! O advogado e escritor Adriano Nogueira nasceu no dia 8 de setembro de 1928, na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. Faleceu em 2004, aos 76 anos de idade. Em 1989, foi um dos fundadores, junto à jornalista e escritora Rosani Abou Adal, do jornal Linguagem Viva.

Aproximamo-nos, Adriano Nogueira e eu, durante a realização do I Concurso de Poesias Linguagem Viva, em 1993, quando editamos os 30 poemas classificados em uma antologia publicada com apoio da Fundação Biblioteca Nacional, União Brasileira de Escritores e Scortecci Editora. Em 1998, a Scortecci Editora publicou o seu livro Registros Literários, seleta de artigos da coluna “Efemérides Literárias”, em que Adriano Nogueira resgata parte da memória de escritores piracicabanos: Almeida Fischer, João Chiarini, Thales de Andrade, Mário Neme, Cecílio Elias Netto, Lino Vitti, Francisco Lagreca, Ortiz Monteiro, David Antunes, Léo Vaz e João Baptista de Souza Negreiros Athayde.

Registros Literários foi prefaciado pelo escritor cearense Caio Porfírio Carneiro, na época secretário-geral da UBE – União Brasileira de Escritores, que assim descreve Adriano Nogueira: "Piracicabano de nascimento de residência a vida inteira, fez o que achou justo: reuniu no livro, em grande parte dele, retratos e registros de figuras e obras dos filhos da terra, que deixaram notável legado para o Estado e o País." 

Adriano Nogueira foi também Secretário da Academia Piracicabana de Letras e Diretor da União Brasileira de Escritores, em várias gestões. Em 1990, recebeu o troféu Mirante, destinado ao destaque cultural do ano de 1990, em Piracicaba. E, nessa cidade, foi um dos fundadores do Diretório Municipal do Partido Socialista Brasileiro, junto ao professor e um dos mais importantes folcloristas brasileiro, o piracicabano João Chiarini (1919 – 1988).

Sensível e inesquecível, Adriano Nogueira nos deixou importante legado sobre a literatura e a cultura piracicabanas. Nas "Efemérides Literárias", ajudou a escrever parte das histórias do jornal Linguagem Viva, hoje memorial da literatura brasileira. No livro Registros Literários, perpetuou-se, registrando com sabedoria e inteligência, traços da história da literatura brasileira.

João Scortecci


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DEPÓSITO LEGAL – COLEÇÃO MEMÓRIA NACIONAL

O Depósito Legal - Leis N. 10.994, de 14/12/2004 e N. 12.192, de 14/01/2010 - é definido pelo envio de um exemplar de todas as publicações produzidas em território nacional, por qualquer meio ou processo. Tem como objetivo assegurar a coleta, a guarda e a difusão da produção intelectual brasileira, visando à preservação e formação da Coleção Memória Nacional. Nele estão inclusas obras de natureza bibliográfica e musical. A primeira instituição e regulamentação do depósito legal brasileiro foi o decreto imperial N. 433 de 3 de julho de 1847. O segundo é o de nº 1825, sancionado em 20 de dezembro de 1907, pelo presidente da república Affonso Penna (Affonso Augusto Moreira Penna, 1847 - 1909). Na época não existia a figura do editor de livros e a tarefa do depósito legal era de responsabilidade dos proprietários das oficinas gráficas. Monteiro Lobato (José Bento Renato Monteiro Lobato, 1882 – 1948), talvez tenha sido o primeiro editor brasileiro que imprimiu livros por conta própria, nas oficinas do jornal “O Estado de S. Paulo”, seu livro Urupês, coletânea de contos e crônicas, em 1918. Talvez tenha sido também o primeiro distribuidor de livros ao usar o serviço dos agentes postais do Brasil para distribuir sua obra em bancas de jornais, papelarias, armazéns e farmácias, além das 30 livrarias existentes na época.

João Scortecci

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COPYRIGHT E O ESTATUTO DA RAINHA ANA

O uso pela primeira vez do termo “copyright” data de 1701, na Stationers Company (Worshipful Company of Stationers and Newspaper Makers), companhia real inglesa, que detinha o monopólio da indústria editorial e era, oficialmente, responsável por estabelecer e fazer cumprir os chamados regulamentos de reprodução e venda de obras literárias, até a promulgação do “Estatuto da Rainha Ana”, de 10 de abril de 1710. Foi a Rainha Ana (1665 – 1714) que uniu em um único estado soberano a Inglaterra e a Escócia, no chamado Reino da Grã-Bretanha. Existem correntes que sujeitam o nascimento do direito de autor à invenção da imprensa, na Europa, no século XV, criada a partir da invenção da prensa de tipos moveis pelo alemão Johannes Gutenberg. É sabido que muito antes da invenção da imprensa na Europa, a China e a Coréia, já contavam com técnicas de impressão e não se pode esquecer, também, que já havia noções de propriedade intelectual na Roma Antiga. No final do século XIX, na Suíça, vários Estados, assinaram o primeiro acordo multilateral sobre a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, na chamada “Convenção de Berna” de 9 de setembro de 1886. A Convenção foi revista em Paris (1896) e Berlim (1908), completada em Berna (1914), revista em Roma (1928), Bruxelas (1948), Estocolmo (1967) e Paris (1971) e emendada em 1979. Desde 1967 que a Convenção é administrada pela World Intellectual Property Organization (WIPO), incorporada nas Nações Unidas em 1974. No Brasil, a Lei n. 9.610 de 19/02/1998 regula os direitos de autor. Esse direito exclusivo do autor (art. 5. º, XXVII, da Constituição Federal de 1988), constitui-se de um direito moral (criação) e um direito patrimonial (pecuniário) de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar. No Brasil – país signatário da Convenção de Berna pelo Decreto Legislativo nº 94, de 4 de dezembro de 1974 - uma obra entra em domínio público após 70 (setenta) anos, contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao falecimento do autor ou do último coautor, se houver. Via de regra, o domínio público refere-se tão somente aos direitos patrimoniais do autor, não se aplicando aos direitos morais, os quais são imprescritíveis. O espírito humano agradece!

João Scortecci


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VOVÓ SARAH E AS TRIPAS DA RAZÃO

Eu desconfiava. Na verdade, sabia e não sabia. Vovó Sarah – isso nos anos 1960 – havia dito, repetido, teimado, mais de mil vezes. Eu, na época, não a escutava. Pensava: Vovó Sarah está caduca! Dizia ela, sempre: “Quando você está enfezado – não importa com o quê – vá ao banheiro e resolva o seu problema!” Risos. E “imaginar” que tem gente que fica três ou mais dias entupido das tripas. Não gosto nem de pensar. Vovó Sarah era uma mulher incrível. Nasceu no século retrasado, no ano de 1894. Dizia que na adolescência esteve com a Princesa Isabel e o Conde d'Eu, em Baturité. Quando? Onde? Não sei. Lendo matéria na “Folha de S. Paulo”, no blog Ciência Fundamental, do jovem mestre e doutor em bioquímica, Eduardo Zimmer, pude, finalmente, dar ouvidos, as pertinências de Sarah: “O intestino pode ser seu segundo cérebro”. O jovem Zimmer começa o seu artigo mencionando o filósofo e polímata da Grécia Antiga, Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.), que afirmava que o “coração” era o órgão responsável pela consciência e que o cérebro era uma espécie de radiador que servia para resfriar o coração. Que doideira! Hoje, as neurociências afirmam outra coisa: “o cérebro é quem coordena funções cognitivas e automáticas, como os batimentos do coração e a respiração”. Zimmer, diz, ainda, com propriedade, que novos estudos têm posto em dúvida a condição “única e egoísta” do cérebro (Eu desconfiava!), como regente absoluto e primário do universo do corpo humano. Aqui cabe uma piadinha antiga: “Quem é mais importante no corpo humano: o cérebro, o coração ou o ânus?” Cérebro e coração protestaram: “Somos nós!”. E ainda, de passagem, humilharam o pobre do ânus, por ser porta dos fundos e feio. Enfezado, o ânus, travou - de vez – isso depois de um banquete. Vingança! Crueldade com os seus irmãos de sangue. O que aconteceu, então, a neurociência explica: o cérebro pirou, queimou neurônio, transpirou, e o coração desapaixonou-se de tudo, perdeu o compasso, acelerou-se e saiu, literalmente, pela boca. No sétimo dia, então, o ânus descansou, feliz, no trono dos justos. O intestino, depois de estudos científicos, tem sido chamado de “o segundo cérebro”, devido à abundância de células nervosas vivendo em suas tripas. Os neurônios intestinais mantêm uma ligação direta com o cérebro, causando profundo impacto no nosso comportamento. Cérebro e intestino trabalham juntos e ditam nossos pensamentos e ações. Existem, ainda, evidências científicas de que as bactérias intestinais – perto de 100 trilhões de microrganismos vivos – comandariam o sistema nervoso e central do nosso ecossistema. Para concluir, segundo Zimmer: “As bactérias intestinais – talvez – atuem como o indivíduo oculto que, por meio de cordéis, manipula as marionetes ou fantoches – nós, no caso.” Vovó Sarah, era mulher sabe tudo. Tento - com amor e aos poucos – lembrar de todos os seus sábios ensinamentos. Outro dia, lembrei-me de outro: “João, não tenha medo dos mortos, tenha medo dos vivos”. Pai, livrai-nos de todos os males, ó Pai, e dai-nos hoje a Vossa paz. 

João Scortecci


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DEMOCRACIA E INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

Democracia sempre! Deixando de lado o conceito utópico de democracia como lugar ou estado ideal de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos, sabemos que, sem eleições livres, crescimento econômico, distribuição de renda, justiça social e segurança jurídica, esse regime político não existe ou morre. E mais: sem o respeito à propriedade intelectual, à criação individual e coletiva, ao direito do autor e, principalmente, sem ética empresarial, dentro do setor de atuação bem como diante de clientes e concorrentes, ela – a democracia – não funciona, não se distribui renda e não se exerce a justiça social, inviabilizando direitos e deveres da cidadania. Depois dos anos 1970, o País passou por uma desindustrialização feroz e criminosa. A indústria – a Nova Indústria Brasil –, seguindo o modal das economias do planeta, passa por profundas transformações, priorizando-se valores da sustentabilidade, da responsabilidade social e da transparência (ESG), frente às novas tecnologias, às ferramentas de serviços autônomos e à inteligência artificial. Os desafios são imensos. Para muitos, são devastadores. É quando o pensamento criativo e justo do construtivismo com responsabilidade, obriga-nos a pensar, analisar e refletir sobre o momento singular e crítico. O uso de ferramentas de serviços autônomos e da inteligência artificial ocupa, no momento, o âmago da indústria global, com incertezas e medos: estado emocional em resposta à consciência perante uma situação de perigo. Estamos em perigo? Talvez. O medo é um sentimento normal que nos protege em situações de perigo. O medo também pode nos impedir de buscar, sempre, a completa felicidade e a harmonia entre os indivíduos, mesmo que isso seja utópico, impossível e humano. Restam-nos, então, inteligência (humana), responsabilidade e coragem. Ao trabalho!

João Scortecci

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RAIMUNDO, O CHUPA-CABRA SILVESTRE

Da imortalidade. Já disse e repito: gosto de palavras novas, até então: desconhecidas! Encontrei “decrepitude”, que significa estado ou condição do que é ou está decrépito, estado de adiantada velhice. Caducidade! Anotei no bloco de notas e morri, no sofá da sala. Acordei – coincidência? – escutando no rádio um jurista com sotaque nordestino falando sobre caducidade: estado daquilo que se anulou ou que perdeu valia. Algo assim. Liguei o PC e abri - finalmente - minha caixa de e-mails, temporariamente, esquecida. Soube então do lançamento do cordel “Raimundo, o chupa-cabra” que conta a história de um vate do baixo Jaguaribe, nascido no sertão do Ceará, já idoso, na casa dos 70 anos, doente dos chifres e alérgico, a sangue humano. Tragédia! Na nota de divulgação da obra a seguinte nota: “Raimundo havia provado sangue humano - uma única vez na vida - e quase morreu de nó nas tripas”. História triste! Raimundo, até então, viveu de sangue de cabras, galinhas, ratos e morcegos silvestres. História infantil? É o que diz o release. O desejo de Raimundo – lendo a sinopse sobre a obra – era tornar-se um verdadeiro vampiro de sangue humano. Frustrado e abandonado pela mulher Das Dores – amor de infância – havia se mudado para Brasília, Capital Federal, em busca de cura, sorte e quem sabe, um novo amor. Pedi – no corpo do e-mail - que me enviassem, então, um exemplar da obra, para análise e publicação de nota no blog Amigos do Livro. Decrépito, aguardo, então, a chegada do cordel vampiresco. Caducidade sem valia! Poética ruim, eu sei. Juro: foi o melhor que consegui. Perdão. Deve ser efeito da vacina de hoje cedo, contra gripe. Ganhei uma picada de beija-flor, com traços de chupa-cabra do Jaguaribe. O braço dói. Acho que cheguei, finalmente, no melhor da minha caducidade, sem valia.

João Scortecci



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O SONO DA ESCURIDÃO

Não existe o sono. Ainda. Uma hora ele chega e me pega, de vez. Nossa existência - de chegada e partida - vive de brevidades. Ele chega e eu me dou, simples assim. Inteiro. Perdido e entregue às totalidades do corpo. Exausto. Imagino o depois: passagem do bastão, entrega de responsabilidades, troca de guarda. Pela boca de um funil de luz - eu viajo. Corpo e alma voam. Energia pura. Muita luz. O Eu etéreo navega, corre, luta, ama e explode. Exausto e ainda por alguma razão de deus: retorno. Até quando? O sono não existe. Ainda. Só o aceito em mim por sedução. Não há fraqueza sem os pecados. Não há brevidade sem a vida. Não há luz sem a escuridão do amor. 

João Scortecci


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