CONTRADICÇÃO / Wladimir Moreira Santos
Wladimir Moreira Santos é poeta e funcionário público, como o foi Carlos Drummond de Andrade, mas sua relação com o grande poeta da nossa literatura não se limita a esta mera coincidência. Drummond é referência fundamental na poesia de Wladimir, seu mestre e principal interlocutor. É verdade que outros autores participam desse diálogo literário, como Cabral, Bandeira, Trevisan, Machado de Assis, Guimarães Rosa.
Alguns são indiretamente apontados, como Ítalo Calvino, por meio da apropriação modificada de um de seus títulos: “propostas para outro possível milênio”. Não só artistas das letras são convocados, um dos poemas é dedicado à cineasta iraniana Samira Makhmalbaf e o quadro de Van Gogh irrompe no “céu de lua crescente, como a noite estrelada de Van Gogh, dependurada na parede descascada da memória”. Este é o intertexto explícito que delimita o espaço simbólico onde se insere a poesia de Wladimir, onde o autor reconhece suas dívidas literárias.
A maior de todas é sem dúvida com Drummond. Seus versos, seus ecos se fazem ouvir nos poemas deste livro, impregnando-os de uma memória poética: “Os justos se foram. E agora, José?” (Os justos). Em outro momento, o refrão se repete com a substituição do patronímico pelo próprio nome do poeta: “E agora, Carlos?”. Num poema cujo título é diretamente tomado a Drummond, “No meio do caminho”, desde o primeiro verso se percebe a transformação que o poeta imprime essa referência, inserindo-a num contexto atual: “No meio do caminho tinha uma placa”. A presença recorrente de Carlos Drummond de Andrade nos poemas de “Contradicção” não revela apenas um modelo, mas uma fonte de criação e constitui uma emocionada homenagem, um preito de reconhecimento que não exclui a apropriação.
Mas a voz que fala nesses poemas é própria e inconfundível, seu traço fundamental é a capacidade de unir a sensibilidade aguçada a um extraordinário vigor. O tema dominante é, assim como nos contos do autor, a oposição entre a consciência da catástrofe generalizada que se abate sobre o mundo contemporâneo e os sinais intermitentes de uma possível recuperação. De uma parte, a percepção da morte do ocidente, como aponta o poema “Acidente” (que dá título à primeira parte do volume Poemas e contos acidentais, onde parte dos poemas deste livro é publicada), a violência, a crueldade, a barbárie, a falência dos valores. Como contraponto, a infância relembrada, a natureza, o amor e a palavra poética, invenção e vida. De um lado, cores mortas, o (a) cinza, o pó, o osso, o frio.
Do outro, o verde, a cor das labaredas, a luz. O aspecto mais impactante da poesia de Wladimir, a meu ver, consiste na sua forte relação com a palavra poética, com sua materialidade, com seu poder: “palavras mordidas / entre dentes e lábios”, que se tornam coisa (“Forjarei, de palavras, cordas / para reatar as sobras”), ave (“O poema /ave de rapina”), corpo (“palavra/ carne / palavra / corpo / amor”). O poema “Malabar” joga com a força das palavras desconhecidas, “o verbo desobediente/a me atrair e trair”. Em “Redemoinhos” desenha-se uma arte poética que reafirma a força subversiva da poesia, que busca “enlouquecer o verbo / torná-lo delirante / rasteiro, curvilíneo/ à procura de desvios”. O dizer-contra é a terra bruta onde brotam esses poemas-contradicções.
Eliana Scotti Muzzi
Recesso
PA
LAVRA
MI
NÉRIO que escoa
A
LEGRIA
BA
GAGEM herança sem raiz
MON
TANHAS que se foram
RE
TROCESSO?
RE
CESSO
Serviço:
Contradicção
Wladimir Moreira Santos
Scortecci Editora
Poesia
ISBN 978-85-366-2459-4
Formato 14 x 21 cm
100 páginas
1ª edição - 2012
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